As aves tentam desesperadamente sobrepor o barulho das madeiras, no montar e desmontar da feira, quatro da madrugada e os trinados sufocam nas janelas dos andares mais baixos. Às seis: - Olha o peixe! Às oito: - Flores frescas! Muita água e esgoto pouco, muitas crianças, petrificadas de fome, a trazer os limões e os alhos, o vento, a soprar, arranha os olhos. Transito engarrafado nos becos, ervas, garrafadas, uma ópera estranha. Um vai e vem de mercadorias e corpos suados, o tempo arrasta-se em chinelos, alguns de pares trocados. Vista da janela a feira é abstracta e geométrica, Piet Mondrian em movimento. Toldos postos lado a lado e rios negros a correrem nos canais, sangue nas veias da cidade, glóbulos vermelhos, beringelas e melancias.
Eu sigo meu Caminho Carnavalesco Vermelho Sangue e Branco Leite e a Plebe Rudíssima soergue-se e Aplaude ainda atónita... Pois Gato e Chocolate, Árvore e Bicicleta, sou nada que se coma, sou nada que se engula, com a leveza dos avestruzes ou a delicadeza das girafas. E tu? Como tens estado minha querida Alforreca? Calaste-te? Engasgaste-te? Foste Engolida pela Turba Ensandecida? Sem registo do poético momentâneo, as batas brancas, as mãos firmes, corte e cura, os filhos das famílias lusas, hispânicas ou ítalas, vestem-se de branco, como enfermeiros, como colírio para os olhos, como o sal atirado sobre as feridas abertas na pele negra dos filhos afros. As feiras são pústulas de peixes e flores, têm indefectível aroma de frutas no chão, de frutos da terra. No fim, rosas e bagres, unem-se em ballets de lixeiras e de vassouras. Alas de mangueiras de águas, marés-altas de peixes mortos, marés vermelhas de pétalas e tomates. A feira fica no ar, entra pelas narinas, na memória olfactiva que não mais distingue o milagre dos peixes, multiplicados em lírios brancos. Eu sigo o meu caminho, eu sou uma mulher japonesa negra, homossexual e judia que reside num bairro de lata dos arredores de Berlim.
PAR - PT
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