sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

180763



... "Recuaram esses como puderam, Há ali mortos, há ali mortos, repetiam, como se os próximos a morrer fossem eles, em um segundo o átrio voltou a ser o remoinho furioso dos piores momentos, depois a massa humana desviou-se num impulso súbito e desesperado para a ala esquerda, levando tudo à sua frente, desfeita a resistência dos contaminados, muitos que já tinham deixado de o ser, outros que, correndo como loucos, tentavam ainda escapar à negra fatalidade. Em vão corriam. Um após outro, todos foram cegando, com os olhos de repente afogados na hedionda maré branca que inundava os corredores, as camaratas, o espaço inteiro. Lá fora, no átrio, na cerca, arrastavam-se os cegos desamparados, doridos de golpes uns, pisados outros, eram sobretudo os anciãos, as mulheres e as crianças de sempre, seres em geral ainda ou já com poucas defesas, milagre foi não terem saído disto muitos mais mortos para enterrar. Pelo chão, espalhados, além de alguns sapatos que perderam os pés, há sacos, malas, cestos, a derradeira riqueza de cada um, agora para sempre perdida, quem vier aos achados dirá que o que lá leva é seu."...

de Ensaio Sobre a Cegueira de José Saramago

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Santa Poesia