quarta-feira, 25 de agosto de 2010

25.08.2010


O que vem por cima como a chuva
É tão bem vindo quanto o que vem
De baixo como as ondas do oceano.
 
As gotas caem pesadas e frias
Como cai a tarde no fim do dia
Como o luar ilumina o desengano.
 
Um formigueiro toma conta dos pés
Escala lento os membros inferiores
Alcança as costas e a base do pescoço.
 
Põe-se o chapéu e calça-se as luvas
Vai-se à janela para escrutinar o tempo
Nuvens ao longe e prenúncios de sonho.
 
Caminhadas pelas gélidas calçadas
A ver o desfile das gentes do lugar
A respirar o ar tépido das fábricas.
 
Assim traçamos os caminhos diários
Ao som dos carros que passam por nós
A desfazer nossas ilusões de grandeza.
 
Olhamos os gatos abandonados na rua
Olhamos os homens a pedir pelas ruas
Olhamos, sem ver, as misérias do mundo.
 
Escutamos, sem ouvir, as entranhas do mundo
Sua digestão lenta e sua tentativa de regurgitar
O lixo com que alimentamos nossos ambientes.
 
Somos como os caracóis a atravessar uma estrada
Iludidos na protecção de nossas calcárias cascas
Que podem ser esmagadas sem aviso pelas rodas.
 
Como pescadores atávicos que se lançam ao mar
Na ilusão de cada vez mais e melhores recolhas
Mas que a cada vez trazem mais rede que peixe.
 
Somos só fulanos, sicranos e beltranos
Que passam uns pelos outros assim
Distraídos de si mesmos em busca de nada.
 
Somos cegos, surdos e mudos à espera
De umas mãos que nos amparem a queda
Mas que de repente percebemos 
Que já estamos todos no chão…

PAR - Trofa - PT

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